Diário Econónimo - 27 Abr 05

 

O Paizinho Compra

João Paulo Guerra

 

Mais de 70 por cento dos pais portugueses de crianças entre os quatro e os nove anos admitem que brincam pouco com os filhos, segundo os dados de um estudo agora revelado.

Destes pais, uma larga maioria atribui a situação à falta de tempo. Mas uma percentagem significativa reconhece que o que lhe falta mesmo é paciência. E qual é o sucedâneo que estes paizinhos arranjam para a sua indisponibilidade? Compram, os paizinhos compram televisão, ‘play-station’, computador e “actividades”: o ‘ballet’ para as meninas e os desportos mais rijos para os meninos.

E é assim que muitas crianças portuguesas crescem, com uma média de 2h 30m de televisão por dia, passatempos que os isolam dos outros e uma sobrecarga de “actividades”. É evidente de há actividades educativas e saudáveis, que contribuem para o desenvolvimento das crianças. A questão é que as meninas e meninos tenham tempo para serem crianças. O estudo revela que, por larga maioria, não têm. Toda a organização social está montada para esta relação nas famílias.

Os horários de trabalho constituem uma refinada hipocrisia de uma sociedade que arvora a família como um dos seus valores. A organização das cidades para os serviços e dos
subúrbios para a habitação faz parte da ordem natural do sistema. Pais e filhos que se dedicam a brincadeiras de crianças pouco ou nada consomem. E os espaços urbanos proporcionam mais consumo que lazer. Mas aqui entra também a questão dos hábitos de vida que derivam da educação, da cultura e das mentalidades. Portugal é um país de sol, onde passear sob a luz artificial dos centros comerciais constitui um dos mais frequentes passatempos das famílias. E então fica assim. Os pais não têm tempo e/ou paciência para os filhos mas compram. Como canta o Jorge Palma, trocam o “tempo por máquinas”.

jpguerra@economicasgps.com

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