Público - 27 Abr 05
"Exames são antídoto contra a preguiça e o facilitismo"
A historiadora e professora universitária Maria de Fátima Bonifácio
não tem dúvidas de que o fracasso do sistema de ensino português se
deve às teorias pedagógicas e defende que os alunos devem trabalhar
para adquirir conhecimentos, em vez de competências.
PÚBLICO - Tanto o sistema finlandês como o coreano só aplicam exames
nacionais no final do secundário. Os exames são necessários antes
dessa altura?
FÁTIMA BONIFÁCIO - Os exames nacionais antes do final do secundário
podem ser dispensáveis em sistemas de ensino que reúnam pelo menos
duas ordens de condições: serem altamente responsabilizadores de
professores e alunos e dominados por uma cultura de grande rigor e
exigência; gozarem de uma estabilidade do corpo docente que permita
aos professores de cada escola conhecerem-se uns aos outros e
conhecerem os "seus" alunos. Estas condições não estão reunidas nas
escolas portuguesas. Os exames nacionais antes do 12º ano são aqui
justificados e necessários como um antídoto contra a preguiça e o
facilitismo. São-no também como um meio de avaliação dos
conhecimentos efectivamente adquiridos pelos alunos. Num comunicado
citado pelo PÚBLICO de 16 de Abril, o PCP deplorava que os exames
nacionais do 9º ano deixassem "para último plano os aspectos de
ordem afectivo-emocional, relacionais, as atitudes e a aplicação
prática do saber", e que se limitassem a avaliar conhecimentos! Este
tipo de discurso, que combina vacuidade e pieguice, é exemplar da
mentalidade dominante segundo a qual a escola serve para tudo menos
para trabalhar e aprender. Não tenho dúvidas de que estas "teorias"
pedagógicas são as principais responsáveis pelo clamoroso fracasso
do sistema educativo nacional.
O sistema coreano revela-se muito competitivo, com os alunos a
trabalharem muitas horas diárias e a serem submetidos a castigos.
Concorda?
O sistema coreano assenta numa combinação entre competição e
repressão, com cargas horárias muito pesadas. Mergulha seguramente
as suas raízes numa sociedade e numa cultura específicas e que eu
não conheço. O sistema finlandês mostra como um caldo de cultura
diferente pode produzir, "naturalmente", o que é comum e chave do
êxito de ambos: apetência para o trabalho, aceitação da necessidade
do esforço e da disciplina e gosto pelo sucesso.
Quais são as boas práticas que Portugal pode retirar destes dois
exemplos?
A chave do sucesso finlandês e coreano, com métodos bastante
diferentes, é só uma e chama-se trabalhar. Em Portugal não se
trabalha: não trabalham os alunos nem os professores (salvo
excepções, claro). Quando os alunos chegam à Universidade, não
chegam apenas ignorantes, chegam sem nenhuma espécie de hábitos de
trabalho. As "boas práticas" identificáveis nos sistemas finlandês e
coreano não produzirão resultados nenhuns se forem introduzidas num
sistema de educação que no plano organizativo se rege pelo princípio
da integração e uniformização à escala nacional; que no plano da
gestão escolar se pauta por uma ideologia basista conducente à
irresponsabilização; e que no plano da "filosofia educativa" aposta
na escola lúdica, vocacionada para o desenvolvimento de
"competências" em vez da aquisição de conhecimentos. A escola é
antes de mais um lugar onde se trabalha e aprende.
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