Público Online - 5 Abr 04
Pediatras alertam para crise de valores que levou ao abandono de
730 crianças em 2003
Lusa
O director de pediatria do Hospital de Santa Maria diagnosticou hoje
uma "crise de valores" na sociedade portuguesa, quando lembrou que
730 crianças foram abandonadas em Portugal no ano passado e que as
casas de acolhimento estão cheias de menores mal tratados.
O pediatra Gomes Pedro, que falava na Aula Magna da faculdade de
Medicina na inauguração do Centro Brazelton do Hospital de Santa
Maria, quis transmitir a importância do "senso moral nas crianças",
afirmando que a sociedade portuguesa atravessa uma crise de
"ausência de valores" que deixa "a criança em risco, como receptador
final dessa crise", ameaçando o seu futuro.
"As atitudes são um produto das influências culturais", afirmou,
lembrando o "aumento radical da história da violência" e uma
"televisão que corrompe os valores educacionais". Mas o pediatra
frisa que essa crise é consequência de "uma dissolução familiar que
não pára de aumentar", estando Portugal a ocupar um dos primeiros
lugares da Europa, com uma taxa de divórcios de 2,7 por mil
habitantes.
Segundo o investigador, "esta taxa quase que triplicou nos últimos
15 anos, a par de uma queda acentuada da nupcialidade", além de que
"há uma percentagem cada vez mais alta de homens e mulheres que
transferem para as suas relações mais próximas os sentimentos que
nutrem para com os que estão mais longe". "O abuso moral pratica-se
hoje contra quem está mais perto e se conhece bem", como é exemplo a
violência doméstica, os abandonos, os maus tratos e a pedofilia, que
o médico classifica como um "ultraje ignóbil contra alguém
completamente indefeso".
Gomes Pedro entende que a própria medicina "tem que ser cada vez
mais relacional": os médicos têm que se relacionar com os pais,
ajudando-os a relacionarem-se com os filhos. Na sessão esteve também
Berry Brazelton, considerado o "pai da nova pediatria" e um dos mais
inovadores pediatras do mundo, que focou os "factores de stress" que
arruínam as relações familiares, como a solidão e o facto de a
sociedade actual "pedir às mulheres que se dividam em dois (a
profissão e o trabalho em casa), o que faz com que se deixe
frequentemente os filhos com pessoas que se desconhece e que podem
não ser de confiança.
Se os pais se envolverem com os bebés e brincarem muito com eles nos
três primeiros anos é um investimento que se está a fazer no futuro,
alertou o médico. Os estudos revelaram que aos sete anos, crianças
que tinham tido pais que "brincavam com eles no chão e que foram
interventivos" tinham um QI mais elevado, uma melhor capacidade de
aprendizagem e mais sentido de humor, salientou aquele pediatra.
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