Público - 5 Abr 04
Contas, Cheques e Votos em Branco...
Por GRAÇA FRANCO
A coisa não está para optimismos. Dois milhões de "pobres", 200 mil
com fome, 500 mil desempregados "ou quase" e, 900 mil forçados a um
horário de trabalho semanal que se aproxima das 48 horas, com sete
delas perdidas nas longas filas de trânsito a ver a vida passar,
enquanto dois por cento da riqueza nacional anual se esvai nessa
perda inútil de recursos. E, sabendo isto, ainda nos perguntamos
porque estamos tão deprimidos que até os candidatos às eleições
apelam ao voto em branco?
Vale não podermos somar todas estas desgraças! Entre os duzentos mil
esfomeados muitos não terão emprego mas, provavelmente, nenhum
coincide com os 900 mil que se arrastam no trânsito, a ver as horas
de sono perdido ou lazer desperdiçado irem-se no stress da mole
imensa que se arrasta a caminho ou no regresso do posto de trabalho.
Sete horas gastas "para ir e vir de trabalhar". Todo um dia "útil"
perdido entre suspiros e apitadelas... com o número dos que se vêem
obrigados a convergir diariamente para as grandes metrópoles
provenientes dos concelhos limítrofes a disparar na última década.
Só em Lisboa, mais 86 mil!
O quadro mostra bem como quase metade de nós não tem razões para
euforias. Nem precisamos somar o efeito deprimente da onda de novas
falências (da mediática Bombardier aos desconhecidos têxteis do
Norte) a somar às três mil empresas que fecharam portas em 2003,
assegurando-nos o primeiro lugar no ranking europeu (com um
acréscimo de 42 por cento no ano passado!).
Há tempos que os estudos da CGTP não faziam manchete. O economista
Eugénio Rosa, na qualidade de académico, logrou nos últimos dias
abanar-nos com a divulgação de dois dos seus textos. Teve o mérito
de ultrapassar a estafada retórica sindicalista para tentar
quantificar as causas reais do enorme mal estar social que nos
domina. Conseguiu!
Num deles sustenta que o fenómeno do desemprego está sub-avaliado.
Já sabíamos! Os dados do Instituto de Emprego e Formação
Profissional registam mensalmente cerca de cem mil desempregados a
mais do que os " números oficiais" e, o próprio Eurostat, estima um
indicador próprio apontando para uma taxa de desemprego de 7,3 por
cento contra os 6,6 do INE. A novidade está em Eugénio Rosa vir
dizer-nos o que "bom senso" já nos aconselhava, alargando o conceito
estatístico a realidades que fogem aos critérios do Inquérito. Aos
357 mil de que nos fala o INE, o economista soma outros dois números
calculados pelo mesmo instituto: os " inactivos disponíveis" e o
sub-emprego visível.
Isto é, contabiliza também os 81,8 mil que desistiram de procurar
emprego mas estariam dispostos a trabalhar caso isso lhes fosse
possível, e os 53,8 mil que, tento trabalhado algumas horas, mas
menos do que seria normal num dado posto de trabalho, estariam
também disponíveis para completar esse horário .
Contas feitas, entre desempregados ou " quase" chegamos a mais de
492 mil portugueses, ou seja, quase dez por cento da população, dos
quais só uns escassos 25 por cento recebem "subsidio desemprego".
Isto dá-nos uma ideia muito mais aproximada do custo social da crise
económica que atravessamos. E já explica este nosso estado de alma
...
No outro estudo _ divulgado no último Expresso _ o mesmo economista
considera, para as grandes áreas metropolitanas de Lisboa e Porto, a
riqueza nacional desperdiçada em consequência dos tempos de
transporte impostos aos trabalhadores provenientes dos concelhos
limítrofes pelo caos do nosso sistema de transportes. Qualquer coisa
como sete horas de "trabalho a mais por semana", traduzidas em menos
2,4 mil milhões de euros da nossa riqueza anual.
A contabilização em si vale o que vale mas não deixa de ser um
indicador útil da péssima qualidade de vida de muitas jovens
famílias. É este absurdo gasto nos tempos de transporte que mais nos
afasta de muitos povos europeus e nos rouba o lazer e o prazer. Onde
nos resta o tempo para o que não é trabalho e escola stricto-sensu ?
Até para essa coisa simples que em toda a Europa mobiliza muitas
horas de lazer de milhões de pessoas: a intervenção cívica e o
voluntariado social?!
PS: " aberto" ao Governo PSD/PP
O Dr. António Barreto solicita ao Governo, na sua crónica de ontem,
que divulgue quanto custa ao contribuinte um estudante
universitário! Eu, se não fosse demais, também pedia ao Executivo
que, já agora, calculasse quanto custa anualmente: um aluno no
primeiro ano do ensino pré-primário, no segundo e no terceiro ano do
ensino básico e, no sexto e no décimo ano do ensino secundário.
Com esses dados eu própria me ofereço para fazer as contas _ o que
evitará a nomeação da habitual comissão para o efeito!_ e logo digo
para onde o Governo pode mandar o chequezinho respectivo. Isto, se
possível, já a partir do próximo mês uma vez que as pré-inscrições
já abriram e eu vou ter de decidir, até lá, o futuro da pequenada.
Tomo a liberdade de recordar o sr. Primeiro Ministro que assinou um
compromisso com as famílias portuguesas onde, entre outras 99
medidas simpáticas, lhes garante o direito de escolha à educação que
pretendem para os seus filhos. Uma decisão na linha das velhas
reivindicações e promessas eleitorais do seu parceiro de coligação e
meu estimado ex-director Paulo Portas.
Dá-se o caso de eu ter escolhido para os meus rebentos o ensino
privado, em colégios que defendem os meus valores espirituais,
civilizacionais e de empenhamento cívico. Acresce que estou
contentíssima com o respectivo ensino. Só não sei por quanto tempo
vou conseguir manter a minha escolha porque, no próximo ano, o mais
novo lá irá enfileirar na infantil e os custos, como o senhor
Primeiro Ministro imagina, são idênticos quer se trate de uma escola
pública ou privada.
É preciso pagar aos professores, aos vigilantes, os materiais, a
conservação, os impostos, a net (que este ano a Senhora Ministra
passou a considerar uma despesa supérflua nas privadas) etc. Recordo
também que tudo isto é, nas escolas públicas, pago com os impostos
de todos nós e, nas privadas, com as mensalidades dos sortudos que
lá conseguem chegar. Sendo que, os ditos sortudos, pagam, como fica
demonstrado, duas vezes o respectivo direito à educação!
Ora, como os ditos direitos de escolha, mais uma vez consagrados, só
interessam se deixarem a pura retórica e tiverem alguma
correspondência prática, sugiro uma forma simples de os
concretizarem. Transfiram para o dito colégio o chequezinho
correspondente aos custos não suportados com a educação da "famelga"
no ensino público. Custos que _ convém lembrar _ o Estado terá
efectivamente de suportar, já a partir do próximo ano, se eu me vir
obrigada a passar a rapaziada para as escolinhas cá do bairro. Com
prejuízo para todos... Se não for possível, risquem a medida mas
avisem os incautos.
Já agora, se pudesse haver uma bonificação a troco do esforço feito
na procriação a bem da sustentabilidade futura da Segurança Social,
também se agradecia... na linha da simpatia manifestada pelo Dr.
Bagão Félix pelas famílias numerosas, e em resposta aos avisos do
Dr. Victor Constâncio e ao último grito do INE que aponta para o
risco da população portuguesa _ se reduzir em dez por cento já nos
próximos 50 anos.
Se por acaso o Governo não souber como concretizar o direito de
escolha em matéria de educação sugiro, por exemplo, uma breve
consulta ao Governo Belga. Na Bélgica, esse direito tem consagração
real.
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