Máxima - "Amar e Casar" - Edição Maio de 2003

Filhos por um fio
por Teresa Ribeiro Baptista
ilustração de Edgar Kaiseller Lorga

Os portugueses têm cada vez menos filhos. E pelo andar da carruagem, deixará mesmo de haver gente lusa no planeta. Urge apoiar a maternidade.

Cristina casou relativamente tarde, aos 35 anos. Sempre sonhou com uma casa cheia de filhos e toda a zaragata que isso implica. Queria pelo menos quatro, mas não é fácil dobrar o destino à nossa vontade. Hoje, já perto de fazer 40 anos, Cristina tem uma filha, a Leonor, de um ano, e não há planos para mais.

"São várias as razões, cada qual com o seu peso. Primeiro, casei tarde, já com uma carreira profissional assegurada - pensava eu! Já tinha portanto o bichinho do trabalho e a independência financeira, da qual é difícil abrir mão. Depois, o meu marido já era pai de três filhos quando o conheci, ou seja, ele é que tem o meu número ideal de filhos... E, por fim, fui mãe muito tarde, aos 38 anos.

Na altura, tinha o meu escritório em casa e pude dar toda a atenção do mundo à Leonor. Para ter mais filhos, só num país ideal, onde existisse de facto o trabalho em part-time, onde não fosse penalizada na minha carreira e conseguisse manter o meu actual nível de vida e uma casa tão boa como esta que tenho, mas com mais divisões", idealiza. Portugal não cumpre, de facto, um único dos requisitos acima mencionados. As ajudas às famílias numerosas são parcas, para não dizer inexistentes, e o subsídio a empresas que promovam o part-time, por exemplo, nem sequer é posto em discussão. Na sociedade de hoje, com os contratos laborais cada vez mais precários, são poucos os que se arriscam a sair do mercado de trabalho para se dedicar mais aos filhos ou a ter mais filhos. O Índice Sintético de Fecundidade (número médio de filhos por mulher em idade fecunda, dos 15 aos 49 anos), entre nós, é de 1,5. Mas para renovar as gerações, seriam precisos pelo menos 2,1 filhos por mulher. E se tivermos em conta apenas os filhos de mulheres portuguesas, não chegamos à média de um. É graças aos filhos dos estrangeiros, principalmente dos africanos, que estamos a meio da tabela europeia. Nem tão poucos como em Itália (1,25 por mulher), nem tantos como nos países do topo da tabela, França e Irlanda, com 1,89 filhos por mulher (dados do Eurostat). A França, que nos anos 80 viu a sua taxa de natalidade atingir níveis preocupantes em relação ao futuro e ao pagamento das reformas, conseguiu, graças a grandes campanhas e benefícios, reverter a curva descendente da natalidade. Mas, para que tal aconteça por cá, é preciso que o Governo acorde... Se continuar assim, daqui a meio século haverá menos um milhão de portugueses do que hoje.

Tendo em vista as finanças portuguesas, ninguém está a pedir ao Estado que faça como o Canadá, que paga um salário ao cônjuge que optar por ficar em casa. Mas ainda há muito espaço de manobra.

Se observarmos os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre o índice de fecundidade, notamos que foi em 1983 que Portugal deixou de ser um país fértil (dos 3,1 filhos em 1960 passámos a 2,0 em 1983 e aos actuais 1,5).
 

Índice sintético de fecundidade
Analisando o número médio de filhos por mulher em idade fecunda, entre os 15 e os 49 anos, concluímos que, de facto, as portuguesas têm cada vez menos filhos
1960 .............. 3,1
1970 .............. 3,0
1980 .............. 2,2
1983 .............. 2,0
1990 .............. 1,6
1999 .............. 1,5
2000 .............. 1,6
2001 .............. 1,5
FONTE: INE

Vanessa Cunha, socióloga, colabora no projecto Famílias no Portugal Contemporâneo, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, que analisa os dados de um inquérito aplicado pelo INE em 1999 a uma amostra representativa de 1776 mulheres portuguesas, entre os 25 e os 49 anos, a viverem em casal e com pelo menos um filho entre os 6 e os 16 anos. O projecto ocupa-se de várias dimensões da vida familiar, como a conjugalidade, a fecundidade, o trabalho e as redes informais de apoio, para ser publicado em livro.

Segundo a socióloga, o número decrescente da fecundidade portuguesa deve-se a vários factores, como o acesso à contracepção, o impa-cto da entrada da mulher no mercado de trabalho, a maternidade tardia e o facto de o número ideal de filhos, para a mulher portuguesa, ter passado de dois/três para dois. Para além da falta de condições financeiras.

"Em Portugal, o trabalho da mulher foi uma conquista, porque a coloca em pé de igualdade com o homem - e não só. Também o convívio no trabalho, fora do ambiente doméstico, é gratificante. Há mulheres que ainda não tiveram filhos simplesmente porque não encontraram o parceiro ideal. Este é outro factor que contribui para o baixo índice de fecundidade. A maternidade tardia pode ser mais complicada e os problemas de infertilidade são mais comuns a partir de certa idade", explica Vanessa Cunha. Os métodos contraceptivos deram à mulher e ao casal o direito de escolher quando e quantos filhos ter. Mas se isto é verdade para as mulheres com escolaridade média, o mesmo não se aplica a quem não tenha tido acesso à escolaridade. Do seu ideal de dois, acabam por ter em média três filhos, sendo só um deles planeado. E 30 por cento tem mesmo quatro filhos ou mais. Já para quem tem um nível médio/superior de educação, o controlo é mais efectivo. E do ideal de dois/três filhos, acabam por ficar com 1,98, em média.

 

 
 
Sem escolaridade
Ensino Primário
Ensino Preparatório/
Básico
Ensino Secundário
Curso médio
/Licenciatura incompleta
Licenciatura/Grau superior
Todas as famílias
Nº de filhos que queria ter
1
2
3
4 e +
Total
Média
13,8
69,0
17,2
-
100
2,03
15,1
70,6
9,6
4,7
100
2,8
14,2

 
68,0
12,3
5,6
100
2,13
14,5
62,3
13,0
10,1
100
2,28
9,1


 
56,4
23,6
10,9
100
2,53
6,8
 
63,6
15,9
13,6
100
2,48
14,0
67,4
12,3
6,3
100
2,16
Descendência actual
1
2
3
4 e +
Total
Média
12,8
32,1 24,4 30,8 100 3,01
17,0 54,8 20,3 7,9 100 2,24
29,7

 
53,9 12,1 4,4 100 1,93
30,7 57,3 10,1 2,0 100 1,83
27,0


 
54,0 14,0 5,0 100 1,97
20,4
 
63,4 12,9 3,2 100 1,99
23,4 54,2 15,8 6,6 100 2,09


Isabel foi contra tudo e contra todos quando resolveu sair do mercado de trabalho para ter os seus filhos. O marido, preocupado com o pagamento das despesas, e os colegas de trabalho, que lhe vaticinaram a "morte súbita" laboral, não foram muito encorajadores. Mas, apesar de propostas tentadoras a nível profissional, resolveu ficar com os três filhos até o mais pequeno ir para a creche, aos três anos. Agora, trabalha em part-time na sua área (advocacia). "No príncipio, foi muito complicado, porque não queríamos baixar o nosso padrão de vida. O facto é que deixámos de viajar e, durante quatro anos, vivemos em dois quartos, um bocadinho apertados. Como não me afastei totalmente dos meus contactos, pude voltar ao escritório sem ter de me sentir de novo uma estagiária... Consegui conciliar o ser mãe com a carreira. Mas olhando em volta, sinto que pertenço a uma minoria", observa Isabel.

Que o digam as mães entrevistadas para o projecto do Instituto de Ciências Sociais: 27 por cento das inquiridas ficaram-se pelo filho único, exclusivamente por razões materiais; 17 por cento, pela idade avançada e 15 por cento, pela falta de disponibilidade. O tempo perdido entre a ida e a volta, acrescido ao tempo real no trabalho, faz com que sobre muito pouco tempo para o convívio - não só com os filhos, mas também com o cônjuge. O cansaço do dia-a-dia tira energias e muitas vezes dita a opção por um filho.

Não são poucas as mães que gostavam de ter mais filhos. Há também as que ficam satisfeitas com o filho único.

Ideal abstracto de filhos segundo o ano
de entrada na maternidade (%)

Este quadro mostra que houve essencialmente uma passagem do ideal de
2/3 filhos por casal para o ideal de 2. E que o ideal de filho único e de
4 e mais filhos sempre foram minoritários.

 
 
 Até 1974
 1975-1979
 1980-1984
 1985-1989
 A partir de1990
 Todas as famílias
 
Descendência actual
0-1
2
3
4 e +
Total
Média
1,4
43,7
47,9
7,0
100
2,58
1,4
56,2
36,3
6,0
100
2,41
1,6
64,9
27,8
5,7
100
2,34
2,6
67,1
25,5
4,7
100
2,28
1,4
71,8
22,1
4,6
100
2,27
1,9
64,7
28,2
5,3
100
2,33
FONTE: Famílias no Portugal Contemporâneo, Instituto de Ciências Sociais

"Quando me casei pela primeira vez, a ideia de ter filhos nem me passava pela cabeça. Trabalhava em média 12 horas por dia, sem razão de queixa - adoro o meu trabalho. Tive uma carreira fulgurante e, aos 27 anos, já tinha uma excelente posição no Banco - a única mulher em 20 colegas na mi- nha área. Com o segundo casamento, veio a vontade de ter um filho. Só um. Demorei cinco anos a engravidar. Não penso em ter mais. Só um filho dá para conjugar com o trabalho", argumenta Maria João, integrante inequívoca da estastística das 10 por cento que se sentem satisfeitas com a sua descendência.

Vera não tem tantas certezas como Cristina ou Maria João. Com um filho, com 30 anos e uma carreira finalmente a arrancar (produção de programas televisivos), sente-se dividida quanto à ideia de ter mais filhos. "Por um lado, sempre jurei que não teria só um filho. Sou filha única e bem sei a falta que me fez um irmão. Queria ter pelo menos mais um. E acho que, se vivesse em França, estaria a falar agora com uma barriga já avançada! Talvez seja o protótipo da mãe 1,5! Querer e não poder é muito complicado!"

Portugal sofre do mesmo mal dos países mais desenvolvidos, tendo uma baixa taxa de natalidade, mas também do mesmo mal dos países do Terceiro Mundo: a falta de investimentos nas áreas da Segurança Social, da Educação e da Saúde.

Razões para ter um filho único

Para aquelas que, só tendo um filho, não pretendem ter mais,
os motivos são os seguintes:

1º .......... Constrangimentos materiais ...... 27%
2º.......... Idade avançada .......... 17%
3º .......... Falta de disponibilidade .......... 15%
4º .......... Problemas de saúde .......... 14%
5º ........ Satisfação com a descendência ... 10%
6º ..... Problemas com o filho ou cônjuge .... 9%
7º .......... Outras razões.......... 8%


Quando o Governo puser mãos à obra e pedir mais filhos aos portugueses, quantas serão as mulheres em idade de procriar?

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