Os
portugueses têm cada vez menos filhos. E pelo andar da carruagem, deixará
mesmo de haver gente lusa no planeta. Urge apoiar a maternidade.
Cristina casou relativamente tarde, aos 35 anos. Sempre sonhou com uma casa
cheia de filhos e toda a zaragata que isso implica. Queria pelo menos
quatro, mas não é fácil dobrar o destino à nossa vontade. Hoje, já perto de
fazer 40 anos, Cristina tem uma filha, a Leonor, de um ano, e não há planos
para mais.
"São várias as razões, cada qual com o seu peso. Primeiro, casei tarde, já
com uma carreira profissional assegurada - pensava eu! Já tinha portanto o
bichinho do trabalho e a independência financeira, da qual é difícil abrir
mão. Depois, o meu marido já era pai de três filhos quando o conheci, ou
seja, ele é que tem o meu número ideal de filhos... E, por fim, fui mãe
muito tarde, aos 38 anos.
Na altura, tinha o meu escritório em casa e pude dar toda a atenção
do mundo à Leonor. Para ter mais filhos, só num país ideal, onde existisse
de facto o trabalho em part-time, onde não fosse penalizada na minha
carreira e conseguisse manter o meu actual nível de vida e uma casa tão boa
como esta que tenho, mas com mais divisões", idealiza. Portugal não cumpre,
de facto, um único dos requisitos acima mencionados. As ajudas às famílias
numerosas são parcas, para não dizer inexistentes, e o subsídio a empresas
que promovam o part-time, por exemplo, nem sequer é posto em discussão. Na
sociedade de hoje, com os contratos laborais cada vez mais precários, são
poucos os que se arriscam a sair do mercado de trabalho para se dedicar mais
aos filhos ou a ter mais filhos. O Índice Sintético de Fecundidade (número
médio de filhos por mulher em idade fecunda, dos 15 aos 49 anos), entre nós,
é de 1,5. Mas para renovar as gerações, seriam precisos pelo menos 2,1
filhos por mulher. E se tivermos em conta apenas os filhos de mulheres
portuguesas, não chegamos à média de um. É graças aos filhos dos
estrangeiros, principalmente dos africanos, que estamos a meio da tabela
europeia. Nem tão poucos como em Itália (1,25 por mulher), nem tantos como
nos países do topo da tabela, França e Irlanda, com 1,89 filhos por mulher
(dados do Eurostat). A França, que nos anos 80 viu a sua taxa de natalidade
atingir níveis preocupantes em relação ao futuro e ao pagamento das
reformas, conseguiu, graças a grandes campanhas e benefícios, reverter a
curva descendente da natalidade. Mas, para que tal aconteça por cá, é
preciso que o Governo acorde... Se continuar assim, daqui a meio século
haverá menos um milhão de portugueses do que hoje.
Tendo em vista as finanças portuguesas, ninguém está a pedir ao
Estado que faça como o Canadá, que paga um salário ao cônjuge que optar por
ficar em casa. Mas ainda há muito espaço de manobra.
Se observarmos os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre o
índice de fecundidade, notamos que foi em 1983 que Portugal deixou de ser um
país fértil (dos 3,1 filhos em 1960 passámos a 2,0 em 1983 e aos actuais
1,5).
Índice sintético de
fecundidade

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Analisando o número
médio de filhos por mulher em idade fecunda, entre os 15 e os 49
anos, concluímos que, de facto, as portuguesas têm cada vez menos
filhos |
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1960 .............. 3,1
|
1970 .............. 3,0
|
1980 .............. 2,2
|
1983 .............. 2,0
|
1990 .............. 1,6
|
1999 .............. 1,5
|
2000 .............. 1,6
|
2001 .............. 1,5
|
FONTE: INE
|
|
Vanessa Cunha, socióloga,
colabora no projecto Famílias no Portugal Contemporâneo, do Instituto de
Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, que analisa os dados de um
inquérito aplicado pelo INE em 1999 a uma amostra representativa de 1776
mulheres portuguesas, entre os 25 e os 49 anos, a viverem em casal e com
pelo menos um filho entre os 6 e os 16 anos. O projecto ocupa-se de várias
dimensões da vida familiar, como a conjugalidade, a fecundidade, o trabalho
e as redes informais de apoio, para ser publicado em livro.
Segundo a socióloga, o número decrescente da fecundidade portuguesa deve-se
a vários factores, como o acesso à contracepção, o impa-cto da entrada da
mulher no mercado de trabalho, a maternidade tardia e o facto de o número
ideal de filhos, para a mulher portuguesa, ter passado de dois/três para
dois. Para além da falta de condições financeiras.
"Em Portugal, o trabalho da mulher foi uma conquista, porque a coloca em pé
de igualdade com o homem - e não só. Também o convívio no trabalho, fora do
ambiente doméstico, é gratificante. Há mulheres que ainda não tiveram filhos
simplesmente porque não encontraram o parceiro ideal. Este é outro factor
que contribui para o baixo índice de fecundidade. A maternidade tardia pode
ser mais complicada e os problemas de infertilidade são mais comuns a partir
de certa idade", explica Vanessa Cunha. Os métodos contraceptivos deram à
mulher e ao casal o direito de escolher quando e quantos filhos ter. Mas se
isto é verdade para as mulheres com escolaridade média, o mesmo não se
aplica a quem não tenha tido acesso à escolaridade. Do seu ideal de dois,
acabam por ter em média três filhos, sendo só um deles planeado. E 30 por
cento tem mesmo quatro filhos ou mais. Já para quem tem um nível
médio/superior de educação, o controlo é mais efectivo. E do ideal de
dois/três filhos, acabam por ficar com 1,98, em média.
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|
Sem escolaridade |
Ensino Primário |
Ensino Preparatório/
Básico |
Ensino Secundário |
Curso médio
/Licenciatura incompleta |
Licenciatura/Grau superior |
Todas as famílias |
|
 |
Nº de filhos que queria ter
|
1
|
2
|
3
|
4 e +
|
Total
|
Média
|
13,8
|
69,0
|
17,2
|
-
|
100
|
2,03
|
15,1
|
70,6
|
9,6
|
4,7
|
100
|
2,8
|
14,2
|
68,0
|
12,3
|
5,6
|
100
|
2,13
|
14,5
|
62,3
|
13,0
|
10,1
|
100
|
2,28
|
|
9,1
|
56,4
|
23,6
|
10,9
|
100
|
2,53
|
6,8
|
63,6
|
15,9
|
13,6
|
100
|
2,48
|
|
14,0
|
67,4
|
12,3
|
6,3
|
100
|
2,16
|
|
|
 |
Descendência actual
|
1
|
2
|
3
|
4 e +
|
Total
|
Média
|
12,8
|
32,1 |
24,4 |
30,8 |
100 |
3,01 |
17,0 |
54,8 |
20,3 |
7,9 |
100 |
2,24 |
29,7
|
53,9 |
12,1 |
4,4 |
100 |
1,93 |
30,7 |
57,3 |
10,1 |
2,0 |
100 |
1,83 |
|
27,0
|
54,0 |
14,0 |
5,0 |
100 |
1,97 |
20,4
|
63,4 |
12,9 |
3,2 |
100 |
1,99 |
|
23,4 |
54,2 |
15,8 |
6,6 |
100 |
2,09 |
|
|
Isabel foi contra tudo e contra todos quando resolveu sair do mercado
de trabalho para ter os seus filhos. O marido, preocupado com o pagamento
das despesas, e os colegas de trabalho, que lhe vaticinaram a "morte súbita"
laboral, não foram muito encorajadores. Mas, apesar de propostas tentadoras
a nível profissional, resolveu ficar com os três filhos até o mais pequeno
ir para a creche, aos três anos. Agora, trabalha em part-time na sua área
(advocacia). "No príncipio, foi muito complicado, porque não queríamos
baixar o nosso padrão de vida. O facto é que deixámos de viajar e, durante
quatro anos, vivemos em dois quartos, um bocadinho apertados. Como não me
afastei totalmente dos meus contactos, pude voltar ao escritório sem ter de
me sentir de novo uma estagiária... Consegui conciliar o ser mãe com a
carreira. Mas olhando em volta, sinto que pertenço a uma minoria", observa
Isabel.
Que o digam as mães entrevistadas para o projecto do Instituto de Ciências
Sociais: 27 por cento das inquiridas ficaram-se pelo filho único,
exclusivamente por razões materiais; 17 por cento, pela idade avançada e 15
por cento, pela falta de disponibilidade. O tempo perdido entre a ida e a
volta, acrescido ao tempo real no trabalho, faz com que sobre muito pouco
tempo para o convívio - não só com os filhos, mas também com o cônjuge. O
cansaço do dia-a-dia tira energias e muitas vezes dita a opção por um filho.
Não são poucas as mães que gostavam de ter mais filhos. Há também as que
ficam satisfeitas com o filho único.
Ideal abstracto de
filhos segundo o ano
de entrada na maternidade (%)
Este quadro mostra que houve essencialmente uma
passagem do ideal de
2/3 filhos por casal para o ideal de 2. E que o ideal de filho único e
de
4 e mais filhos sempre foram minoritários.

|
|
|
Até 1974
|
1975-1979
|
1980-1984
|
1985-1989
|
A partir de1990
|
Todas as famílias
|
|
|
 |
Descendência actual
|
0-1
|
2
|
3
|
4 e +
|
Total
|
Média
|
1,4
|
43,7
|
47,9
|
7,0
|
100
|
2,58
|
1,4
|
56,2
|
36,3
|
6,0
|
100
|
2,41
|
1,6
|
64,9
|
27,8
|
5,7
|
100
|
2,34
|
2,6
|
67,1
|
25,5
|
4,7
|
100
|
2,28
|
1,4
|
71,8
|
22,1
|
4,6
|
100
|
2,27
|
1,9
|
64,7
|
28,2
|
5,3
|
100
|
2,33
|
FONTE: Famílias no Portugal
Contemporâneo, Instituto de Ciências Sociais
|
|
|
"Quando me
casei pela primeira vez, a ideia de ter filhos nem me passava pela cabeça.
Trabalhava em média 12 horas por dia, sem razão de queixa - adoro o meu
trabalho. Tive uma carreira fulgurante e, aos 27 anos, já tinha uma
excelente posição no Banco - a única mulher em 20 colegas na mi- nha área.
Com o segundo casamento, veio a vontade de ter um filho. Só um. Demorei
cinco anos a engravidar. Não penso em ter mais. Só um filho dá para conjugar
com o trabalho", argumenta Maria João, integrante inequívoca da estastística
das 10 por cento que se sentem satisfeitas com a sua descendência.
Vera não tem tantas certezas como Cristina ou Maria João. Com um
filho, com 30 anos e uma carreira finalmente a arrancar (produção de
programas televisivos), sente-se dividida quanto à ideia de ter mais filhos.
"Por um lado, sempre jurei que não teria só um filho. Sou filha única e bem
sei a falta que me fez um irmão. Queria ter pelo menos mais um. E acho que,
se vivesse em França, estaria a falar agora com uma barriga já avançada!
Talvez seja o protótipo da mãe 1,5! Querer e não poder é muito complicado!"
Portugal sofre do mesmo mal dos países mais desenvolvidos, tendo uma baixa
taxa de natalidade, mas também do mesmo mal dos países do Terceiro Mundo: a
falta de investimentos nas áreas da Segurança Social, da Educação e da
Saúde.
Razões para ter um filho
único
Para aquelas que, só tendo um filho, não pretendem ter
mais,
os motivos são os seguintes:

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1º .......... Constrangimentos materiais
...... 27%
|
2º.......... Idade avançada .......... 17%
|
3º .......... Falta de disponibilidade
.......... 15%
|
4º .......... Problemas de saúde ..........
14%
|
5º ........ Satisfação com a descendência
... 10%
|
6º ..... Problemas com o filho ou cônjuge
.... 9%
|
7º .......... Outras razões.......... 8%
|
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Quando o Governo puser mãos à obra e pedir mais filhos aos portugueses,
quantas serão as mulheres em idade de procriar?
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