Público - 10 Abr 03

UM PROJECTO CONTRA A ESTABILIDADE DA FAMÍLIA
Por ANTÓNIO PEDRAS

O Bloco de Esquerda (BE) anunciou a apresentação, na Assembleia da República, de um projecto de lei que visa introduzir, no âmbito do direito de família, uma nova modalidade de divórcio não litigioso, por denúncia unilateral do contrato de casamento. Nos termos desta proposta, o cônjuge que não deseje manter-se casado pode, a qualquer momento, requerer o divórcio na Conservatória do Registo Civil, declarando simplesmente ser essa a sua vontade. E tanto basta para accionar um processo que, num curto período de pouco mais de três meses, culminará no decretamento da dissolução do matrimónio, ainda que contra a vontade do outro cônjuge.

Este projecto, alegadamente inspirado na legislação nórdica e alemã, tem subjacente uma concepção hedonista ou materialista do casamento: o matrimónio é uma instituição admirável enquanto regulariza ou garante a satisfação do desejo sexual e estimula a capacidade de realização dos recém-casados. A perda da "affectio maritalis" torna o casamento um fardo incómodo que só carregará quem quiser...

Ora, esta perspectiva marcadamente individualista do vínculo conjugal, fruto de uma sociedade em franca crise de valores éticos e morais, afigura-se-me excessiva e perigosa pelos abusos a que, inevitavelmente, conduziria.

Como é sabido, a família é a célula base de qualquer sociedade, antecedendo até o próprio Estado. E o valor institucional da família assenta sobre o matrimónio e na comunhão plena de vida que o mesmo pressupõe. Além disso, o casamento transcende os puros interesses individuais dos esposos, criando para toda a vida destes um vínculo que, unindo-os entre si, os liga também às famílias de ambos e, de modo especial, aos filhos que gerarem.

Perante a extraordinária importância que o casamento assume na vida dos povos, a generalidade das ordens jurídicas atribui-lhe dois caracteres essenciais: unidade e vocação de perpetuidade. Desta última característica decorre que o divórcio seja comummente encarado pelo direito como um mal, mas um mal que, em situações limite, se torna menor ou remédio necessário. Entre essas situações excepcionais, previstas na lei, estão as violações graves e culposas dos deveres conjugais e as que, objectivamente, configuram rupturas definitivas da vida comum do casal. E também aquelas que, segundo a vontade íntima e recíproca dos cônjuges, os conduzem a um divórcio por mútuo consentimento.

Todavia, colocar a dissolução do casamento na dependência da vontade de um dos cônjuges, pelas profundas repercussões pessoais e patrimoniais que geralmente tem na vida e interesses do outro e dos filhos, parece-me atentatório do interesse público da defesa da família e da dignidade do casamento.

A vingar a modalidade prevista no projecto em apreço, o legislador estaria a dar aos nubentes um péssimo sinal: perante uma escolha imprudente ou mal ponderada, sempre o divórcio estaria ao seu alcance de forma imediata e por via unilateral. Ora, uma tal medida conduziria naturalmente a casamentos de experiência, geradores de graves inconvenientes sociais. Eis por que acho inaceitável a proposta em apreço.

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