Público - 13 Abr 03
Mudança na Lei Pode Ajudar a Explicar o Fenómeno
Por A.C.
Atribuível a uma panóplia de factores, desde sociais a psicológicos e
demográficos, o "boom" de separações formais em 2002 deverá ficar a dever-se
sobretudo às mais recentes alterações legislativas. E isto porque em Janeiro do
ano passado entrou em vigor um decreto-lei que deu às conservatórias de registo
civil a exclusividade dos divórcios por mútuo consentimento, libertando os
tribunais dos casais com filhos que eram obrigados a recorrer à via judicial por
causa da regulação do poder paternal.
Em simultâneo, o legislador acabou com o período de reflexão de três meses nas
separações por mútuo acordo, o que facilitou e acelerou os processos. Em teoria,
hoje um divórcio pode fazer-se em poucos dias. Antes, entre as duas conferências
obrigatórias, os conservadores chegavam a funcionar por vezes como terapeutas
familiares - e conseguiam até demover alguns casais da separação. "Tínhamos uma
?taxa de sucesso` de cerca de 20 por cento", explica o responsável por uma das
mais movimentadas conservatórias de Lisboa, que chega a homologar entre 12 a 14
divórcios por semana.
Sabendo que as alterações iam entrar em vigor, "muitas pessoas devem ter
preferido esperar por 2002 para formalizar a separação", alvitra um magistrado
do Tribunal de Família e Menores do Porto. O que é perfeitamente natural: é
preferível comparecer perante um conservador de registo civil a ter que "lavar a
roupa suja" em frente a um magistrado. A simples entrada num tribunal é
condicionante. Tudo isto deve ter contribuído para explicar a excepcional, ainda
que ligeira, descida dos divórcios em 2001 (menos 278 do que no ano anterior),
depois de uma década de aumento continuado e acelerado do fenómeno.
Ainda assim, e face à magnitude do acréscimo em 2002, Anália Torres acredita que
poderá haver ainda outro tipo de explicações mais comezinhas, por exemplo a
duplicação de registos e de envio de informações para o Instituto Nacional de
Estatística. É preciso ter cuidado com os números, avisa a socióloga, que está
convencida de que nos próximos anos os divórcios poderão diminuir e Portugal
regressar à proporção de três casamentos para uma separação formal.
Só após a revolução de Abril de 1974, com a revisão da Concordata, é que o país
arrancou para o aumento do divórcio - e de outro tipo de fenómenos, aliás, como
o decréscimo da natalidade e da nupcialidade, o incremento das uniões de facto e
dos nascimentos fora do casamento. Bem mais tarde do que a generalidade dos
países ocidentais, onde estes movimentos começaram a tomar forma a partir dos
anos 60.
Mas a subida paulatina do número de divórcios tem sido "demasiado poderosa" para
se poder atribuir apenas à legislação mais liberal, defende o sociólogo Pedro
Delgado num artigo sobre "O Divórcio em Portugal (1975-2000) publicado na última
edição da revista "Vértice".
De qualquer forma, há um ponto em que os especialistas convergem: a família não
está em risco. Pelo contrário: a instituição familiar transforma-se ou
adapta-se, acabando por funcionar como "amortecedor de tensões e conflitos".

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