Não temos tempo
Não temos tempo para os filhos.
Temos tempo para muitas coisas, mas não temos tempo para os filhos.
O tempo é um bem escasso, a vida está difícil, trabalhamos imenso e nem assim conseguimos tornar sossegada a hora de fazer contas aos dinheiros quando se aproxima o final do mês.
Gostamos muitíssimo dos nossos filhos, mas não temos tempo para os ver crescer, para os ajudar a crescer.
A vida é agitadíssima. É para dar aos filhos melhores condições que nos matamos a trabalhar. Assim poderemos dar-lhes mais coisas. É por isso que muitas vezes ficamos a trabalhar depois da hora.
O tempo não chega para tudo...
A verdade é que arranjamos desculpas como estas com enorme facilidade. Com elas conseguimos acalmar a nossa consciência e, até, convencermo-nos do nosso heróico papel, quase digno de um mártir desses que sofrem em silêncio durante uma vida inteira pelo bem da humanidade.
Entretanto sejamos claros vamos semeando pelo mundo crianças que cresceram sem pais: seres obrigados a entenderem o mundo e a entenderem-se a si mesmos na mais absoluta solidão.
Devíamos abrir os olhos para duas coisas:
Os filhos enquanto não os tivermos estragado totalmente estão-se nas tintas para todas aquelas coisas maravilhosas e desnecessárias que nós lhes possamos comprar com o dinheiro todo que conseguimos ganhar no tempo em que devíamos estar em casa. Mesmo que se trate dos brinquedos mais badalados lá na escola, com direito a anúncios na televisão e tudo. Mesmo que se trate da última moda de comodidades tecnológicas.
Preferem uma boa conversa com o pai, um passeio no sábado à tarde, um jogo em família ao serão.
Porque enquanto não os tivermos corrompido com o nosso materialismo eles sabem muito bem, embora possam não ser capazes de o explicar, que o importante é aquilo que uma pessoa é e não aquilo que uma pessoa tem. Sabem isso por instinto, do mesmo modo que nós já soubemos e depois esquecemos.
Em segundo lugar, devíamos entender que não temos o direito de viver à sombra da desculpa de não termos tempo.
Temos tempo.
O pai tem tempo para ver o futebol, o jornal ou o telejornal. E a mãe tem tempo para a novela. E ambos têm tempo para conviver com os amigos. E para muitas outras coisas.
Temos tempo para aquilo que nos agrada e não nos dá demasiado trabalho.
Os cafés estão cheios de pais que não têm tempo para estar com os filhos. E os cabeleireiros e lojas de comércio estão cheios de longas conversas, muitas vezes ociosas.
Acontece por vezes que um dos filhos quer contar em casa uma coisa que se passou na escola e o preocupa ou deseja perguntar acerca de algo que ouviu, na televisão ou a um amigo, e não entende mas a resposta que obtém é que «agora não», ou outra resposta mais amarga. Porque naquele momento há o jornal ou a televisão, ou qualquer outra coisa ...
Fica para depois. Para um depois que acaba por não acontecer nunca.
Portanto... não conhecemos os filhos. Ficamos aflitos porque gostamos muito deles quando, para nossa surpresa, atravessam a crise da adolescência, ou outra crise qualquer, talvez provocada por companhias menos recomendáveis. E quando então lhes pedimos que nos contem aquilo que os aflige, que desabafem connosco, verificamos... que não são capazes de o fazer.
E há então silêncios, dolorosos e profundos, que não deviam existir numa família.
Enquanto cresceram não se habituaram a contar aos pais havia o jornal, a ausência ou a televisão pelo meio todas as coisas que foram surgindo na sua vida solitária. E agora é demasiado tarde.
Devíamos abrir os olhos. A única razão para o nosso comportamento é a nossa cobardia e o nosso comodismo.
Existe porventura motivo para que seja a escola a dar "educação sexual" aos jovens, substituindo a família nessa tarefa que apenas a ela compete? Que género de pais somos nós?
Somos cobardes, é o que é.
E somos comodistas.
Criar um filho significa muito mais do dar-lhe de comer e de vestir e levá-lo ao médico. Há todo um convívio um viver com os filhos que deve existir no dia a dia.
E, nesse viver constantemente lado a lado, a pessoa do pai verte-se na pessoa do filho, ensinando-o a olhar para o mundo, ajudando-o a construir a sua personalidade e a adquirir virtudes. Auxiliando-o a desenvolver as suas qualidades e a dar-se com as outras pessoas.
Ensinando-lhe o que são a vida, o sofrimento, o amor e a morte.
Todos os acontecimentos do dia a dia servem para essa finalidade. Os pais devem estar ao lado dos filhos nos problemas e nas dificuldades, que são sempre grandes e importantes. Mesmo quando parecem não passar de "coisas de crianças".
Dar a vida a um novo ser é apenas um começo. É preciso depois edificá-lo.
E isso dá muito trabalho.
É talvez a tarefa mais difícil do mundo, mas também a mais bela.
Cabe-nos o dever e a honra de a realizar.
Paulo Geraldo