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PROJECTO DE LEI N.º 57/IX
LEI DE BASES DA FAMÍLIA Exposição de motivos A família é uma instituição primordial e fundamental na organização da vida em sociedade, que progressivamente tem vindo a ser objecto de estudo independente das ciências sociais, não lhe sendo atribuído pelo legislador a merecida relevância e autonomia no plano social, económico e cultural. A Constituição da República Portuguesa, no artigo 67.º, reconhece a família como elemento essencial e fundamental da sociedade e atribui ao Estado a obrigação de «definir, ouvidas as associações representativas das famílias, e executar uma política de família com carácter global e integrado». Pretende-se com a presente iniciativa legislativa criar um instrumento dinamizador deste preceito constitucional, que contenha as normas programáticas definidoras e orientadoras de uma política que promova e dignifique a instituição familiar no plano social, económico e cultural. Neste sentido, parece-nos oportuno a elaboração de um diploma que dê forma a um quadro jurídico que reúna e integre a globalidade das medidas de política familiar, preservando os valores sociais e culturais transmitidos de geração em geração, deste modo a sistematização que presidiu à elaboração do presente diploma realça a importância social, económica e cultural da família como espaço natural de realização pessoal. É intenção do CDS-PP estabelecer as linhas orientadoras de uma política global de família, de forma a permitir uma acção coerente, coesa e sobretudo eficaz, quer do legislador quer da Administração Pública. A família confronta-se com novas realidades sociais, inesperadas e imprevistas, que anunciam novos e inéditos desafios que necessitam obrigatoriamente de um acompanhamento legislativo de modo a não fragilizar a unidade familiar. Destacamos de estas novas realidades a preocupante evolução negativa da natalidade, o crescente número de famílias monoparentais que necessariamente precisam de uma protecção concreta e eficaz. Os novos tipos de trabalho, que permitem tanto o teletrabalho como a sujeição a uma vida urbana que impede o convívio familiar em termos qualitativos. Todos estes fenómenos necessitam de uma resposta enérgica e capaz de garantir uma melhoria significativa da qualidade de vida das famílias portuguesas. Toda esta política assenta no reconhecimento de factos objectivos, como a função social, cultural e económica da família, a responsabilidade na educação dos filhos, a sua importância como lugar primeiro de expressão da liberdade e da solidariedade entre gerações, a promoção da igualdade de oportunidades entre homens e mulheres, a necessidade de partilha de responsabilidades familiares assim como a criação de condições preventivas de situações tendentes à desagregação da unidade familiar. A política familiar não é a soma de diversas políticas sectoriais. Como política transversal deve dar dimensão familiar às políticas sectoriais e desenvolver-se a nível nacional e local. Nesta perspectiva, parece oportuno a elaboração de uma lei de bases da família, com o objectivo de formular o enquadramento jurídico que permitirá a globalidade e a coerência das medidas de política familiar, visando a prevenção de problemas sociais com elevados custos económicos e encontrando soluções mais humanizadas e eficientes. Em conclusão, com este diploma pretende-se estabelecer as linhas fundamentais da política familiar, visando a promoção e a melhoria da qualidade de vida das famílias portuguesas e a sua participação no desenvolvimento dessa mesma política.
Capítulo I Dos princípios fundamentais
Base I
(Âmbito)
A presente lei define as bases em que assentam os princípios e os objectivos fundamentais da política familiar previstos na Constituição da República Portuguesa, que define a família como elemento fundamental da sociedade. Base II
(Princípio geral) O desenvolvimento da política familiar vincula o Governo a considerar a família como base da organização social nas diversas políticas sectoriais e nas questões relativas a cada um dos membros. Base III
(Família e pessoa) Todos têm direito a constituir família em condições de plena igualdade e a contrair casamento nos termos previstos na Lei. Base IV
(Família e Estado) Incumbe ao Estado, em estreita colaboração com as associações representativas dos interesses das famílias, a promoção, a melhoria da qualidade de vida e o desenvolvimento integral da família e de cada um dos seus membros. Base V
(Unidade e estabilidade familiar) A instituição familiar assenta na unidade, estabilidade e igual dignidade de todos os membros no respeito mútuo, cooperação e solidariedade para a consecução plena dos seus fins. Base VI
(Função cultural e social) O Estado reconhece a função da família enquanto transmissora de valores e veículo do estreitamento das relações de solidariedade entre gerações, no respeito pela liberdade individual. Base VII
(Privacidade da vida familiar) O Estado reconhece o direito à privacidade da vida familiar e promoverá os meios necessários à sua garantia no respeito pela integridade moral e física de todos os seus membros. Base VIII
(Princípio da subsidariedade) É da responsabilidade do Estado definir e promover uma política familiar no respeito pela iniciativa, organização e autonomia das famílias e das suas associações, que assegure a satisfação das suas necessidades económicas, sociais, culturais e morais. Base IX
(Direito à participação) O Estado reconhece o direito das famílias à organização, associação e participação, através das instituições representativas dos seus interesses, na definição da política familiar. Base X
(Família como titular de direitos deveres) O Estado reconhece a necessidade de promover a definição dos direitos e deveres sociais da família e dos direitos e deveres familiares da pessoa. Base XI
(Direito à diferença) 1 - Na definição da política de família serão garantidas as características específicas de cada comunidade étnica e religiosa. 2 - O Estado promoverá a integração das famílias de imigrantes atendendo às suas necessidades e especificidades culturais. 3 - O Estado desenvolverá medidas que assegurem o direito ao reagrupamento familiar, dando especial relevância às famílias de imigrantes.
Capítulo II Dos objectivos Base XII
(Globalidade, integração e coerência da política familiar) O Estado criará e desenvolverá medidas que garantam a globalidade, integração e a coerência das várias políticas sectoriais de interesse para a família. Base XIII
(Família e qualidade de vida) Incumbe ao Estado proporcionar às famílias e aos seus membros a melhoria da qualidade de vida, nomeadamente a saúde, a educação, a habitação, o trabalho, o ambiente, adequada a uma vida familiar condigna. Base XIV
(Direito a viver em família e com a família) O Estado promoverá a compatibilização das actividades de todos os membros da família com as exigências da vida familiar. Base XV
(Direito à conciliação entre a vida familiar e profissional) O Estado promoverá a conciliação entre a vida familiar e profissional, nomeadamente através da harmonização do regime laboral com as exigências da vida familiar. Base XVI
(Protecção à maternidade e paternidade) A maternidade e a paternidade constituem valores humanos e sociais eminentes que o Estado deve respeitar e salvaguardar, cooperando com os pais no cumprimento da sua missão. Base XVII
(Protecção às famílias numerosas) O Estado criará condições e incentivos especiais para a protecção e apoio às famílias numerosas, nomeadamente em termos fiscais e económicos. Base XVIII
(Protecção da criança) O Estado assegurará a protecção e o desenvolvimento da criança antes e depois do seu nascimento. Base XIX
(Garantia do exercício do poder paternal) O Estado garantirá o exercício dos direitos e deveres consagrados na lei aos titulares do poder paternal com vista ao desenvolvimento integral e harmonioso da personalidade da criança. Base XX
(Famílias monoparentais) O Estado garantirá a igualdade de direitos às famílias monoparentais, assegurando o apoio especial de que estas carecem. Base XXI
(Protecção dos menores privados do meio familiar) O Estado, através de serviços públicos competentes, em parceria com as instituições privadas de solidariedade social e em colaboração com as instituições representativas dos interesses das famílias, promoverá uma política de protecção e enquadramento dos menores privados de meio familiar, proporcionando-lhes recursos materiais e humanos essenciais a um desenvolvimento psíquico e afectivo equilibrado. Base XXII
(Idosos e deficientes na família) O Estado estimulará a permanência, a realização e a participação na vida familiar das pessoas idosas e dos deficientes. Base XXIII
(Toxicodependência, alcoolismo e factores desagregadores da família) O Estado reconhece e apoiará a função fundamental da família na prevenção e recuperação dos toxicodependentes, dos alcoólicos e de outras situações tendentes à desagregação da unidade familiar.
Capítulo III Da organização e participação
Base XXIV
(Organização) O Estado disporá de serviços públicos próprios incumbidos de promover a política familiar, ouvidas as associações representativas das famílias. Base XXV
(Associativismo familiar) O Estado apoiará a criação de associações representativas dos interesses das famílias de âmbito local, regional e nacional e assegurará a devida representação orgânica e a sua participação no processo de desenvolvimento da política familiar e da sociedade em geral.
Capítulo IV Da promoção social, cultural e económica da família
Base XXVI
(Família e saúde) 1 - O Estado assegurará às famílias, em condições compatíveis com o orçamento familiar, o acesso a cuidados de natureza preventiva, curativa e de reabilitação. 2 - O Estado facilitará o acesso a uma rede nacional de assistência materno-infantil. Base XXVII
(Família e educação) 1 - O Estado reconhece aos pais, como primeiros educadores, a liberdade de opção sobre o projecto educativo dos seus filhos. 2 - Cumpre ao Estado assegurar o bom funcionamento do sistema de ensino e criar as condições necessárias para que as famílias possam participar na política educativa e na gestão escolar. 3 - Os pais têm o direito de se opor a que os filhos sejam obrigados a receber ensinamentos que não estejam de acordo com as suas convicções éticas e religiosas. 4 - O Estado promoverá a criação de uma rede nacional de creches, ensino pré-escolar e de infra-estruturas de apoio à família. 5 - O Estado apoiará o desenvolvimento integral da personalidade das crianças, incluindo a educação afectivo-sexual, em colaboração com os pais, os serviços de saúde e a escola. Base XXVIII
(Família e habitação) Devem ser criadas condições para que cada família possa dispor de uma habitação que, pelas suas dimensões e demais requisitos, corresponda adequadamente às exigências de uma vida familiar saudável, preservada na sua intimidade e privacidade. Base XXIX
(Família e trabalho doméstico) É reconhecido o valor humano, social e económico do trabalho doméstico prestado pelos membros do agregado familiar, incumbindo ao Estado adoptar medidas tendentes à valorização económica deste trabalho. Base XXX
(Família e cultura) Compete ao Estado preservar a identidade cultural de cada família, favorecendo a transmissão e criatividade de elementos culturais com base na interacção de culturas, gerações e grupos sociais. Base XXXI
(Família e segurança social) 1 - Serão, progressivamente, adoptadas medidas no sentido de garantir a compensação dos encargos familiares, por forma a preservar, convenientemente, a subsistência e o equilíbrio económico de cada família e de simplificar a atribuição de prestações à mesma. 2 - A acção social será essencialmente preventiva e realizada em colaboração com os vários membros da família, incentivando-se o apoio domiciliário e a criação de redes de solidariedade e vizinhança. 3 - O Estado promoverá a criação de uma rede nacional de equipamentos sociais de apoio á família, tendo em consideração a sua realidade plurigeracional. Base XXXII
(Família e fiscalidade) 1 - Incumbe ao Estado tornar medidas que contribuam para o desenvolvimento de um sistema integrado de fiscalidade e segurança social, tendo por base um princípio de coeficiente familiar. 2 - O sistema fiscal deve, de forma progressiva, garantir e incentivar a unidade familiar, não podendo ser penalizadas as pessoas pelo facto de constituírem família. Base XXXIII
(Família e ambiente) 1 - O Estado promoverá acções de formação e informação de forma a que seja possibilitado às famílias serem o garante de uma eficaz política de defesa e preservação do meio ambiente. 2 - Na prossecução de uma política de estilos de vida saudáveis o Estado reconhece à família o papel fundamental de primeiro e mais eficaz agente. Base XXXIV
(Família e urbanismo) 1 - Serão criadas estruturas adequadas e espaços culturais, desportivos e de lazer, na zona residencial das famílias, que permitam um convívio intergeracional. 2 - A política de urbanismo do Estado terá em consideração as necessidades próprias de uma política familiar. Base XXXV
(A família como unidade de consumo) 1 - A família constitui uma unidade de consumo com necessidades específicas, pelo que o Estado deverá promover, através de acções de informação e formação, a sua defesa contra formas de publicidade enganosa e de consumo inconvenientes. 2 - O Estado deverá tomar medidas no sentido de adequar os custos de consumos de bens e serviços essenciais ao orçamento familiar médio nacional. Base XXXVI
(Família e comunicação social) 1 - O Estado deverá procurar que os meios de comunicação social respeitem os valores fundamentais e os fins essenciais da unidade familiar, nomeadamente os de ordem ética, educativa e social. 2 - O Estado deverá combater a propagação da violência através dos meios de comunicação. 3 - O Estado deverá ter em especial atenção o problema da facilidade do acesso por crianças à pornografia difundida através do recurso às novas tecnologias. Base XXXVII
(Voluntariado) O voluntariado é considerado um meio fundamental de apoio familiar e como tal deve ser reconhecido, designadamente através do estabelecimento de um regime legal que o incentive e da colaboração dos organismos públicos.
Capítulo V Disposição final
Base XXXVIII
(Disposição final) O Estado adoptará as providências necessárias ao desenvolvimento e concretização da presente lei. Assembleia da República, 3 de Junho de 2002. - Os Deputados do CDS-PP: Telmo Correia - Nuno Melo - João Almeida - Isabel Gonçalves - João Rebelo - Henrique Campos Cunha - Miguel Anacoreta Correia - Manuel Cambra - Diogo Feio.
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